domingo, 10 de agosto de 2008

Como é que se diz eu te amo

Quando eu tinha uns três anos o meu pai ia nadar no clube e me levava junto. Eu colocava os bracinhos ao redor do seu pescoço e ele nadava comigo pendurada nas suas costas. Uma vez eu quase me afoguei porque ele me pediu que ficasse na beira da piscina esperando por ele e eu quis ir atrás e quando ele percebeu estava do outro lado da piscina e teve que chamar ajuda porque não teria tempo de me salvar. Isso nunca me afastou das piscinas, mas anos depois eu e meu pai nos afastamos um do outro.


Meu pai passou o último ano lutando contra o câncer. Passou por uma radioterapia que não deu certo e uma cirurgia traumática e todo o horror que é receber o diagnóstico de uma doença que parece ser sinônimo de uma sentença de morte. Quando uma pessoa tem câncer a família inteira adoece. Temos que lidar juntos com a doença, com a dor, com os conflitos que toda família tem, com a possibilidade da morte e com a certeza de que a vida não pára.


E como a vida não pára, no Dia dos Pais do ano passado eu fui a um clube para visitar o salão onde me casei meses depois. Eu pensei em adiar o casamento, deixar pra depois que tudo estivesse acabado. Durante alguns meses tive que alternar o estresse de planejar um casamento com o estresse de ser a única companhia do meu pai em tratamento. Foi muito difícil, mas não me arrependo. O dia do meu casamento foi a primeira vez em meses que vi meu pai sorrindo de verdade, dançando feliz por ser pelo menos por uma noite o pai da noiva, não uma pessoa com câncer.


No dia dos pais do ano passado tinha um pai nadando no clube com a filha sobre as costas do mesmo pai e aquilo me fez chorar. Eu abracei meu marido e disse que não sabia nem se no próximo dia dos pais eu teria um pai e ali estava eu planejando um casamento quando eu não sabia nem em que condições de saúde ele estaria pra poder entrar comigo. No fim tudo deu certo. Hoje nós estivemos juntos no mais significativo Dia dos Pais da minha vida. Percebi que não era medo que eu sentia diante da cena da menina com o pai na piscina. Era pesar por todo tempo estivemos afastados e receio de nunca mais ter aquilo que tínhamos quando ele nadava comigo. Mas hoje eu sei que tenho isso de novo. E também sei que tenho muita sorte.

7 comentários:

Anônimo disse...

Taí um texto bonito.

Parabéns - pelo texto e pela vida.

Ancorada disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ancorada disse...

Lindo texto Marie... fiquei emocionada.

Anônimo disse...

A dor da perda é foda.

Patrícia disse...

Lindo, lindo, lindo. Chorei.
Beijos e parabéns pela força, querida.

mmeira disse...

muito bonito o seu texto! recomendei para o site da Revista GLOSS (http://gloss.abril.com.br/pelaweb/)

beijos,

Anônimo disse...

Parabéns. Você realmente tem esse talento nato para escrever. Poucas vezes na minha vida eu me emocionei tão rapidamente lendo um texto. Tu expressas como ninguém a tua alma em palavras.
Lendo sobre essa relação com teu pai, recordo da minha que nunca chegou perto disso.
Me desculpa. Eu não sabia de nada disso. Muita força ao ‘seu’ Paulo. Ele ainda precisa “roer” muitas coisas.
Força.