sábado, 27 de fevereiro de 2010

Qualquer coisa

Eu vou escrever sobre qualquer coisa. Não faz muito tempo isso funcionava bem pra mim. Mas agora tanta coisa mudou que eu não sei mais. Antes eu carregava o caos dentro do peito e agora até consigo racionalizar e tocar a vida. Mas eu não sei mais escrever, não sei mais chorar e já não consigo mergulhar em tantas outras coisas que me ajudavam a dar vazão quando eu me sentia tão triste quanto estou agora.
Simplesmente não faz mais sentido beber até cair, embora eu ainda goste muito de beber. E eu não conseguiria passar dias entorpecida, fazer mil farras com quase nada de dinheiro, acampar na casa dos outros sem uma muda de roupa sequer.

Todas essas coisas que fazem parte de uma época da minha vida que parece tão distante, mas nem faz tanto tempo. Eu não sinto saudade disso, propriamente, de todo descontrole, de toda a inconsequência, do meu desejo secreto de morrer, que nem era tão secreto assim. É que no meio de toda essa confusão eu ainda conseguia me localizar. Escrever me situava de alguma forma e, de algum modo, eu achava charmoso ter 20 e poucos anos e ser uma garota um tanto perdida no mundo.

Agora nada disso faz mais sentido. Nem mesmo comer montes de chocolates e toda a velha autosabotagem. Eu não me perco mais, o que deveria ser bom. Mas ultimamente eu tenho estado tão triste, tem dias que eu queria poder gritar e dar socos na parede como antes. Agora eu só consigo me entregar a uma letargia parcial, porque eu preciso levantar do sofá me alimentar e há louça suja na pia, tenho que pendurar as roupas que estão na máquina de lavar.

Então eu me obrigo a seguir em frente, tomo banho, alimento os gatos, telefono a um amigo, volto a fazer análise, visito meus pais. Mas a verdade é que eu não queria fazer nada disso, eu não sinto vontade de fazer nada. Se eu pudesse ficaria dias nesse sofá, checando e-mails que chegam e que eu não respondo, baixando filmes que eu tenho preguiça de ver e tentando fazer ir embora esse desejo de desaparecer, de dormir tanto tempo tentando acordar num mundo em que tudo está em seu devido lugar, um mundo em que eu tenho de volta minhas certezas, que meu lar novamente é cheio de alegria e que eu não tenho que assimilar coisas que são complicadas demais.

Mas eu não posso, então eu vou escrever sobre qualquer coisa. Sobre os filmes bestas que assisto, sobre as coisas banais que me irritam, sobre o meu peso, sobre o que eu almocei ontem. Quem sabe assim eu consigo me situar novamente, encontrar o meu lugar no mundo e escapar à terrível sentença das estirpes que vivem cem anos de solidão, do fardo de ser um Tenenbaum, da certeza de gauche na vida e dessa sensação de nunca pertencer a nada.

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