terça-feira, 8 de junho de 2010

Do samba e do amor

Meu pai era do samba. Bastava ouvir um repique, mesmo na televisão, que se assanhava todo. Fundou blocos de ruas quando era novo e enquanto teve saúde, saía na bateria da sua escola do coração, os Piratas da Batucada, mais conhecida como "Piratão". Ele tocava tarol. Lá ele era o Paulão da Caixa.

Domingo, quando voltava do enterro, eu pensei que o velório do meu pai tinha sido como a despedida do Bené, no filme Cidade de Deus. Porque não faltou ninguém: os parentes, os libaneses, os engravatados, os colegas de juventude, o povo da igreja e, como diz minha mãe, os cachaceiros. Levaram a bandeira do bloco que meu pai ajudou a fundar, que depois virou escola de samba (da qual ele chegou a ser presidente, pro mais completo desespero da minha mãe, que dizia que daqui a pouco ele ia virar bicheiro). E claro, a bandeira do Piratão.

Meu tio, primo-irmão, companheiro de samba e de cachaça, veio me pedir pra colocar as bandeiras sobre o caixão. Foi então que eu tive a melhor idéia dos últimos tempos: convocar uma batucada pro enterro. Queria que meu pai descesse ao túmulo ao som do que ele amava. Porque apesar da depressão dos últimos anos, meu pai não era uma pessoa triste, ele era alegre e era assim que queria me despedir dele.

Pena que só pensei isso pouco antes do carro fúnebre chegar e não deu tempo de reunir a bateria. Mas isso fez minha mãe e meus irmãos sorrirem. No carro, a caminho pro cemitério, eu cantei pra eles "É melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe, assim como a luz do coração". E depois chorei, porque era meu pai que estava sendo enterrado, porque eu nunca mais vou vê-lo tocar sua caixa imaginária quando anunciarem o carnaval. E também porque como disse o Vinícius, "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba, não".

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Isso é coisa que se pense numa hora dessas?

No meio da semana passada meu irmão e eu estávamos conversando via MSN quando ele comentou uma cena do Watchmen, em que em um enterro toca "The sound of silence", do Simon and Garfunkel. Ele ficou triste porque pensou no papai. Eu cantarolei a parte que diz "silence like a cancer grows". Meu pai, que estava na sala, me olhou e sorriu. Ele gostava muito dessa canção. Foi a primeira música que ouvi após chegar na minha casa no dia seguinte à sua morte. E foi a música que eu e meu irmão ouvimos no carro, voltando do enterro.

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No caminho pro hospital, depois da minha mãe ligar dizendo que meu pai tinha tido hemorragia e de ter me olhado no espelho perguntando a mim mesma o que vestir quando parte da vida que você conheceu está prestes a mudar completamente, eu coloquei meu MP3 player na música do Julian Casablancas que falava "forgive them, even if they are not sorry". Na calçada do hospital estava tocando "Viva la Vida", do Coldplay. E pouco antes do meu pai morrer, eu estava escutando Weezer. Keep Fishing.

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Quando meus amigos chegaram no hospital eu disse que nunca mais vou poder ver "As Invasões Bárbaras". Pensei em muitos filmes que tratam de câncer, família e morte. "Viagem a Darjeeling", "A Partida" e "Os Excêntricos Tenenbaums", que é um dos meus filmes preferidos. Há anos eu e um amigo nos referíamos a meu pai como "Royal", nome do pai dos Tenenbaums. Uma vez ele assistiu ao filme e gostou. Disse que lembrou da nosssa família.

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Eu acho que ele pensou nisso também quando leu "A Metamorfose". No livro dele estava grifado um trecho do fim, em que o Gregor Samsa, prestes a morrer, "pensava na família com saudade e com amor".



A cultura pop, com seus excessos de referências, nos tirou a capacidade de pensar/sentir por conta própria.