Meu pai era do samba. Bastava ouvir um repique, mesmo na televisão, que se assanhava todo. Fundou blocos de ruas quando era novo e enquanto teve saúde, saía na bateria da sua escola do coração, os Piratas da Batucada, mais conhecida como "Piratão". Ele tocava tarol. Lá ele era o Paulão da Caixa.
Domingo, quando voltava do enterro, eu pensei que o velório do meu pai tinha sido como a despedida do Bené, no filme Cidade de Deus. Porque não faltou ninguém: os parentes, os libaneses, os engravatados, os colegas de juventude, o povo da igreja e, como diz minha mãe, os cachaceiros. Levaram a bandeira do bloco que meu pai ajudou a fundar, que depois virou escola de samba (da qual ele chegou a ser presidente, pro mais completo desespero da minha mãe, que dizia que daqui a pouco ele ia virar bicheiro). E claro, a bandeira do Piratão.
Meu tio, primo-irmão, companheiro de samba e de cachaça, veio me pedir pra colocar as bandeiras sobre o caixão. Foi então que eu tive a melhor idéia dos últimos tempos: convocar uma batucada pro enterro. Queria que meu pai descesse ao túmulo ao som do que ele amava. Porque apesar da depressão dos últimos anos, meu pai não era uma pessoa triste, ele era alegre e era assim que queria me despedir dele.
Pena que só pensei isso pouco antes do carro fúnebre chegar e não deu tempo de reunir a bateria. Mas isso fez minha mãe e meus irmãos sorrirem. No carro, a caminho pro cemitério, eu cantei pra eles "É melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe, assim como a luz do coração". E depois chorei, porque era meu pai que estava sendo enterrado, porque eu nunca mais vou vê-lo tocar sua caixa imaginária quando anunciarem o carnaval. E também porque como disse o Vinícius, "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba, não".
Who is the Dreamer?
Há um mês