Meu pai era do samba. Bastava ouvir um repique, mesmo na televisão, que se assanhava todo. Fundou blocos de ruas quando era novo e enquanto teve saúde, saía na bateria da sua escola do coração, os Piratas da Batucada, mais conhecida como "Piratão". Ele tocava tarol. Lá ele era o Paulão da Caixa.
Domingo, quando voltava do enterro, eu pensei que o velório do meu pai tinha sido como a despedida do Bené, no filme Cidade de Deus. Porque não faltou ninguém: os parentes, os libaneses, os engravatados, os colegas de juventude, o povo da igreja e, como diz minha mãe, os cachaceiros. Levaram a bandeira do bloco que meu pai ajudou a fundar, que depois virou escola de samba (da qual ele chegou a ser presidente, pro mais completo desespero da minha mãe, que dizia que daqui a pouco ele ia virar bicheiro). E claro, a bandeira do Piratão.
Meu tio, primo-irmão, companheiro de samba e de cachaça, veio me pedir pra colocar as bandeiras sobre o caixão. Foi então que eu tive a melhor idéia dos últimos tempos: convocar uma batucada pro enterro. Queria que meu pai descesse ao túmulo ao som do que ele amava. Porque apesar da depressão dos últimos anos, meu pai não era uma pessoa triste, ele era alegre e era assim que queria me despedir dele.
Pena que só pensei isso pouco antes do carro fúnebre chegar e não deu tempo de reunir a bateria. Mas isso fez minha mãe e meus irmãos sorrirem. No carro, a caminho pro cemitério, eu cantei pra eles "É melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe, assim como a luz do coração". E depois chorei, porque era meu pai que estava sendo enterrado, porque eu nunca mais vou vê-lo tocar sua caixa imaginária quando anunciarem o carnaval. E também porque como disse o Vinícius, "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba, não".
terça-feira, 8 de junho de 2010
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9 comentários:
Nossa Marie,
não sabia que ele já tinha partido...
Espero que você esteja bem, e que siga seu caminho com a certeza de que ele está.
Mesmo a distância, estou por aqui.
Bjs mtos e abraço apertado
Dani Franco
Aí Paulão Caaaaixa! Tcha-ti-que-tcha-ti-que-tcha-ti-que-tcha! :D
Lindo, Fhoutz!
Meus Deus! Eu quase me esqueci dessa fase meio "Castor de Andrade" - tirando o complexo e perigoso mundo do jogo do bicho - do Paulo Souto.
Lembro de você contando as aventuras dele no mundo do samba. Era muito engraçado.
Realmente a despedida deveria ter sido ao som dos grandes sambas.
Isso me fez lembrar uma música do Paulinho da Viola:
"Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar.
Toda vez que toca tem sempre alguem que começa a dar aquelas sambadinhas a la Rubinho Barrichello e batucar as próprias mãos.
Grande Paulo Souto! Ainda vamos ver muitas histórias por aqui.
Se a ideia chegou ou não a se concretizar acho que não importa.
Seu pai deve ter sorrido também.
p.s - fiquei arrepiada.
mais uma prova de que pai era sábio e de que ele sabia se expressar... a cena do samba no enterro é maravilhosa!!! pena que não deu tempo, mas que bonito que isso faria todo o sentido. mas a morte não é tão bonita qto o samba e a tristeza toma mto o nosso tempo! bjo
Do Seu Marie conheci as histórias, muitas: alegres, tristes, engraçadas, não muito. E essa vida que só me deixou vê-lo uma vez, a única, na última vez que estiveste aqui. Mais de dez anos de amizade imaginária (sim, pq de tanto ouvir falar dele eramos quase íntimos) que ficou num único abraço. Uma pena. O bom é que ele te deixou de presente aqui, pra gente continuar lembrando das histórias do bom e velho Seu Marie, que desconfio que nunca soube que, durante anos, teve um nome muito diferente do Paulo Souto de batismo.
Um absurdo fazeres textos tão mocionantes com esse tanto de tristeza por vê-lo partir.
Mas é lindo ver poesia em tudo isso...
Te abraço.
Chora, chora que chorar faz bem.
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