A primeira pessoa que eu conheci que tinha câncer foi uma senhora que ficou hospedada em minha casa há quase três anos, Helena. Ela era amiga de uma tia que faleceu no ano passado depois de anos lutando contra a doença (primeiro na mama, depois nos ossos). O caso de Helena foi semelhante, só que a metástase foi no cérebro: três novos tumores dois anos depois da mastectomia radical. Na época eu não percebi a força que ela tinha. Pensei que ela estivesse resignada, não era algo que me afetasse. Mas, claro, minha percepção do câncer e da pessoa com câncer mudou radicalmente depois que eu convivi com ele de perto.
Poucos meses depois da passagem de Helena por minha casa meu pai foi diagnosticado com carcinoma na prega vocal esquerda. Passou por radioterapia e depois por uma cirurgia radical, a retirada das pregas vocais e de toda a laringe. Foi uma cirurgia grande e a recuperação foi difícil, pois com a retirada das pregas vocais meu pai teve de reaprender a falar. A primeira vez que ouvi a voz dele no telefone depois da cirurgia chorei de emoção. Ele mesmo ao cantar "Atirei o pau no gato" como exercício de fono se emocionou como um menino. Era bonito de ver. Infelizmente a doença voltou menos de um ano depois, mas eu tive a alegria de ver que meu pai foi mais feliz nesses poucos meses do que vinha sendo em anos.
Acho que não existe sofrimento físico maior que o câncer. É uma doença que traz em si o estigma da morte, apesar de sabermos que podemos morrer a qualquer instante. Além de passar pela quimioterapia, radio e cirurgias radicais, sempre há o fantasma da metástase. A depressão, o medo, o desespero. A família sofre junto. E além disso tudo o doente ainda precisa conviver com a carga moral que vem junto com a doença porque o câncer é tratado como algo que a própria pessoa causa para si, ou por maus hábitos ou por negligência.
Mas, já dizia Deleuze que o que morre é o organismo, não a vida. Foi isso que me fez perceber o quão especial é aquela mulher que conheci e que hoje está bem. Os tumores sumiram, os efeitos da quimio passaram. E ela continua com o mesmo sorriso no rosto. Hoje eu a encontrei e ela me pediu pra dizer ao meu pai que a doença passa e que depois vem a vida. Apesar de todo abatimento decorrente da quimio e de algumas vezes chorar como uma criança, meu pai tem muita vontade de viver. E isso me ensina muitas coisas e me enche de vida, esperanças e alegria e me faz valorizar cada momento com ele. Nós tivemos um relacionamento difícil a maior parte da vida. A doença dele me fez acordar. O que morre é o organismo e não a vida. Há muita vida ainda a se viver. Nòs estamos vivendo. O câncer nunca poderá ser maior que isso.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
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3 comentários:
todos os teus textos que falam sobre o teu pai são extremamente tocantes e de uma grandeza infinita.
Eu me orulharia de ter uma filha assim.
Torço daqui. Força de lá, tá?
E obrigada SEMPRE pela companhia e presença - esmo que de longe.
essas coisas com doenças sempre são arrasadoras e nos deixam um vácuo no peito. o jr nery está com dois absessos na cabeça e isto me deixou muito mal ultimamente. mas ele já está melhor, fazendo um tratamento e fora de perigo. o que sobra é a vida.
acho que eu digitei errado abscesso.
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