Há um tempo assisti a um filme em que uma francesa e um americano de vinte e poucos anos se conhecessem durante uma viagem de trem. Aparentemente é um filme romântico, mas ilustra muito bem o que Bourdieu escreveu sobre os "imperialismos do universal". Em linhas gerais, ele diz muito do que se sabe ou se escreve sobre os Estados Unidos e a França é fruto de um confronto entre esses dois imperialismos. Enquanto a França possui uma espécie de monopólio da legitimidade intelectual, do humanismo, da verdadeira Revolução -, os Estados Unidos teriam em seu patrimônio a verdadeira democracia. O choque se dá porque há um imperialismo em ascensão (o norte-americano) e um em declínio (o francês) e ninguém quer largar o osso.
Pois bem. Esse filme ilustra bem o que é o choque desses dois imperialismos que exportam as visões verdadeiras, conclusões incontestáveis sobre a Verdade e sobre como se deve viver. Numa certa altura o rapaz americano diz se sente frustrado porque sente que os melhores anos de sua vida estão passando e ele ainda se sente um garoto no colégio. A francesa diz que sempre imaginou sua vida como lembranças de uma velha senhora. Fico com a francesa. Não que eu ache que a França seja aquela maravilha, é preciso ser muito ingênuo pra isso. Mas prefiro o modo de pensar alternativo apresentado pela personagem da Julie Delpy.
A maioria dos meus amigos tem por volta de 30 anos e tem gente que está pirando com isso. Minha amiga Rita disse que eu não estou desse jeito porque eu já me casei (justo ela pra me dizer isso, que é uma das poucas que consegue manter a sanidade e a dignidade sendo solteira e tendo quase 30). Mas não é isso. Nossa visão a respeito dos 30 anos é impregnada pelo modelo do sonho americano, do self-made man, pelo Sex and City e sei lá mais o quê. Uma vez perguntei a um amigo que estava na tal crise o que ele esperava que fosse diferente. Ele tinha um bom emprego, morava numa cidade maravilhosa, tinha muitos amigos, namorada. Qual era o problema, afinal? Ele não sabia.
Existe alguma mensagem no ar de que aos 30 devemos estar casados, ter casa própria, cachorro, emprego dos sonhos, conta bancária gorda, corpo magros e ter um bebê a caminho. Tá, mas qual o problema de não querer isso? Ou de querer só parte do pacote? Ou querer e não ter? Ou não saber? Felizmente nunca coloquei sobre meus ombros essa responsabilidade. Já sou uma pessoa perturbada o suficiente pelas minhas neuroses, não preciso de outra tão manjada.
Hoje eu estava andando no parque e comecei a pensar nisso, porque eu estou pensando mesmo nesse negócio de ter filho. Há muita vida pela frente. Muita. Se viver 90 anos (eu viverei 111), 30 anos é apenas o primeiro terço. Um dia eu vou me lembrar daquela caminhada. Provavelmente não me lembrarei da minha crise que não era por idade, mas por causa da frustração de ter que arrumar dinheiro quando há tanta coisa a fazer e há tanta vida. Provavelmente eu também não me lembrarei que justamente naqueles dias eu estava voltando a escrever e conseguira colocar algumas idéias em ordem.
Talvez eu não me lembre que foi justamente naquela tarde que eu percebi que alguma coisa havia mudado. Que minhas opiniões estavam menos condicionadas por esses imperialismos. Eu já não olhava crianças como seres irritantes e barulhentos, já não era tão mal-humorada e pensava que poderia, sim, abraçar o meu destino e a vida com toda a sua potência, deixar algumas coisas irem e aceitar de bom grado os ventos da mudança. Não, não pensarei nisso. Lembrarei de uma linda tarde outono, do sol e do vento frio, das crianças correndo no parque, dos cães, dos casais de namorados que se beijavam sob as árvores, do picolé de manga e do jeito que meu marido me abraçou. Lembrarei disso quando anos depois estiver ali com meu filho, com meus filhos. Pensarei no que realmente importa. Um dia ensolarado, meu marido e uma vida inteira pela frente.
domingo, 17 de maio de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Acho que vais gostar de ler isso
http://hiroshibogea.blogspot.com/2009/05/ordinariamente-fofo.html
É marie, hoje mesmo eu estava conversando com alguns colegas do tempo de IRC, memsa idade q eu e falavam sobre casamento. Demonstrei medo. Sim, tenho medo, não que eu tenha ojeriza ou não queira isso pra mim, mas confesso que morro de medo porque é um passo imenso na vida de DUAS pessoas. Enfim, não só algumas garotas de quase 30 mas muitos dos nossos amigos estão em crise também , achando-se velhos e querendo constituir família... e eles me condenavam como se eu fosse "moderninha demais" quando só o que eu tenho é medo.
Se nem namorado sério é fácil de arrumar, imagina um marido!! Compreensível, não? Acho que esse negocio de idade pesa, assusta, mas é real.. antes envelhecer do que morrer e o importante é ser feliz AGORA, seja lá o que vai acontecer, seja você case, ou fique pra titia, tenha um filho ou não, a felicidade está no agora e não nessas coisas...
Adorei o texto.
Beijíssimos, Chèrie!
Before the sunshine, né? cráááássico.
Postar um comentário