Esse post provavelmente vem com alguns anos de atraso. Culpa minha, que só li os livros agora e ignoro o que esteja se passando na cena literária que se mede em termos de Ilustrada ou Caderno 2. Paciência. Isso é um blog de uma jornalista não-praticante, não dá pra exigir atualidade.
Nos últimos dias, com a minha dissertação por terminar,tive um surto leitor e li dois livros que despertaram a minha curiosidade na ocasião de seus lançamentos e que, por acaso, estavam à venda no sebo perto da minha casa: "Hell - Paris 75016" e "100 escovadas antes de ir para a cama". Os dois livros foram lançados em 2003 e fizeram relativo barulho (hype?) na imprensa porque ambos eram obras de escritoras jovens e bonitas que narravam em primeira pessoa experiências aparentemente autobiográficas envolvendo sexo y otras cositas más.
O primeiro livro é uma espécie memórias de uma patricinha parisiense muito rica que fala sobre sua rotina de fazer compras, freqüentar restaurantes caros, boates vips, cheirar muita cocaína (muita mesmo) e ocasionalmente participar de orgias. O segundo é o diário de uma adolescente italiana que após uma desilusão amorosa se joga numa série de experiências sexuais que envolvem sexo grupal, voyerismo, relações homossexuais e sadomasoquismo.
O sexo não é o cerne de nenhum dos dois livros, que tocam em questões muito sensíveis e que foram solenemente ignoradas. Lembrei do Máquina de Pinball, da Clarah Averbuck. O sexo está lá, para o bem e para o mal. para o bem, porque faz parte da vida e para o mal porque é só colocar numa resenha que um livro escrito por uma mulher - ainda mais se for jovem e bonita - e a coisa degringola, ninguém presta atenção em mais nada e aí os debates se concentram em como as pessoas tão jovens podem foder tanto e tudo mais é esquecido.
O que me chamou a atenção nesses livros foi a constatação de que as mulheres desta geração, de vários países, as filhas e netas da revolução sexual foram educadas para lidar com o sexo sem casamento, com o prazer, com dar prazer ao outro, com a experimentação, mas em contrapartida, não houve uma contra-educação no sentido de desmitificar o sexo, na desconstrução da fantasia de princesa, de encontrar um amor que será o amor que trará a remissão de tudo. Nós aprendemos a fazer sexo, aprendemos muito bem. Mas não aprendemos a abandonar a idéia de que relacionamento bem-sucedido é aquele que termina em casamento; não deixamos de acreditar que sexo com amor é melhor e ainda temos a ilusão de que podemos fazer tudo isso que fazem estas heroínas, porque uma hora o amor vai chegar e limpar todos os pecados e então nada mais terá importância.
"Hell" fala da dor de amar alguém e do desespero que é se descontrolar e estragar tudo e tem algumas reflexões sobre relacionamentos que assustam. A uma certa altura a protagonista-narradora está sentada em um restaurante com o homem que ama, com quem teve seis meses de felicidade compartilhada. A conversa dos dois parece ser um simulacro do que um dia foi perfeito. Em outra passagem, lamenta "a gente nem transa mais". E aí vemos que alguns hábitos não desaparecem porque o amor chegou e que é mais fácil perder as pessoas que amamos que domar os demônios que habitam dentro. De modo semelhante, a menina de "100 escovadas" mantém uma gaveta com lingerie nova, separada da usada nas suas diversas experiências, guardando as peças de renda branca como uma noiva que prepara seu enxoval à espera de um dia se entregar ao homem que ama. Mas nessa procura por amor há uma perda progressiva do amor-próprio na esperança que um dia, alguém reconheça seu sacrífio, que se afeiçoe a ela e a aceite do jeito que ela é.
Um livro tem final feliz; no outro, mais perturbador, a história não acaba e as coisas não mudam, deixando uma mensagem que, mais difícil que livra-se de alguns hábitos, é livrar-se quem somos. Nos dois vemos o quanto isso é confuso, o quanto é difícil e o sentido que tem, muitas vezes ir para cama com semi-desconhecidos porque o vazio é tão grande que se não houvesse um corpo naquela noite, por mais bruto e seco, se não houvesse aquele corpo talvez o dia não amanhecesse, talvez o desespero tomasse conta e a vida chegaria ao fim. E é essa sensação de um asco, uma auto-piedade que ora é cínica, ora resignada, que as autoras conseguem passar tão bem.
É claro que muitas vezes há chavões, trechos confusos, passagens que o olhar mais maduro e distanciado faz pensar: eu teria feito isso tão melhor! Mas é aí que vem a pergunta de um milhão de reais: será que eu estou falando do texto ou da vida?
sábado, 4 de abril de 2009
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